A revista do Garth Ennis!
Antigamente, se você visse algo como "quadrinho adulto" nas antigas bancas ou nas novas gibiterias, muito provavelmente... era revistinha de sacanagem. Ou, numa possibilidade mais remota, algum título do Selo Vertigo, da DC Comics.
Mas, no fim dos anos 90, a Marvel passou por um processo de reformulação, capitaneado pelo antigo editor do Selo Marvel Knights, Joe Quesada, com o apoio do presidente da editora, o hoje execrado Bill Jemas. Entre reformulações e novos títulos, uma das apostas de Quesada foi a criação de um selo com histórias voltadas para o público adulto, onde se pudesse explorar uma linguagem mais obscena e um pouco de nudez.
Quem conhecia Joe, sabia que para ele não bastaria que o novo selo fosse apenas um concorrente para o consolidado e respeitado Vertigo. Não, para ele era muito importante que pudesse dizer, diante de qualquer meio de comunicação disponível, que era MAIS OUSADO. Portanto, resolveu que a contraparte da Marvel traria histórias centradas no Universo Marvel - não necessariamente o 616, veremos - e muitas vezes utilizando os super-personagens da editora, o que dificilmente era permitido pela DC.
Quase ao mesmo tempo (se levarmos em conta a "janela" que havia entre as publicações originais e quando as mesmas chegavam por aqui), a Marvel também mudava no Brasil. Depois de anos, saiu da Editora Abril e passou a ser publicada pela Panini (na verdade, através da Mythos, mas o selo na capa trazia a editora italiana, não a brasileira). Atendendo a inúmeros pedidos, alguns deles divulgados nas ressuscitadas (e saudosas) "seções de cartas dos leitores" publicadas em seus títulos mensais, colocaram no mercado , em setembro de 2003, o título que ficaria responsável por trazer as histórias do "selo adulto da Marvel", bem como alguns títulos do Marvel Knights que não encontrassem espaço em algum outro mix publicado por aqui. Nasceu a Marvel Max.
Ao longo do último ano, eu resolvi comprar a coleção do título, adquirindo-as através dos seguintes sebos: Excelsior Comic Shop, Rika Comic Shop e Ponto do Gibi. Divulguei isto em algumas redes sociais e recebi mensagens me indagando sobre o mix em si e sobre alguns títulos específicos. Por isso, resolvi fazer esta pequena série de postagens para tentar criar um roteiro que ajude tanto o leitor ocasional que quer ver uma ou outra história que foi publicada em Marvel Max, como também o colecionador que está indeciso em investir tempo e dinheiro na busca por um mix redondinho e já encerrado há algum tempo.
Obviamente, o que segue são as minhas opiniões a respeito de cada uma das histórias. Como todos devem saber, a idade, a "cronologia pessoal" e a bagagem de leitura influenciam decisivamente na análise. Muitas vezes, uma história que eu considerei mediana receberia elogios bem mais efusivos se partissem de alguém que estivesse nas suas primeiras viagens pelo mundo das hqs, tendo sofrido menos exposição aos clichês e aos vícios de escritores e desenhistas, bem como gozando de um maior desapego pela história pregressa de alguns personagens.
Portanto, será muito bem recebida a opinião de qualquer leitor, inclusive para apontar republicações de algumas destas histórias que eu tenha deixado passar, bem como onde saíram por aqui outras do mesmo selo, mas que não foram incluídas na nossa Max.
A PEQUENA ARANHINHA BRANCA 😒
Roteiro de Greg Rucka. Arte de Igor Kordey.
Marvel Max 1 - 3.
Yelena Belova, a terceira Viúva Negra, é convocada para investigar a morte de seu mentor, o coronel Starkovsky. Ela começa a investigar os segredos do falecido, se envolvendo no submundo sadomasoquista russo.
Lembro que o editor da Marvel da Panini, Fernando Lopes, citava esta mini para defender o desenhista Igor Kordey, execrado em todos os fóruns e seções de cartas pelo seu trabalho deplorável em Novos X-Men, afirmando que eram os prazos apertados da revista X, provocados pelos atrasos de seu artista titular, Frank Quitely, que prejudicaram o resultado final. Conversa pra boi dormir: os desenhos, mesmo que melhor finalizados, continuaram ruins. E a história é bem mediana, esquecível.
ALIAS 😉
Roteiro de Brian Michael Bendis. Arte de Michael Gaydos, com participações especiais de Bill Sienkiewicz, David Mack e Mark Bagley.
Marvel Max 1 - 22 e Marvel Max Especial - Púrpura.
Jessica Jones, depois de uma curta carreira como super-heroína, ganha a vida em Nova Iorque como investigadora particular boca suja e com problemas relacionados à bebida. O charme da série está no envolvimento nas tramas de personagens conhecidos, como Capitão América, Matt Murdock, J. Jonah Jameson, Luke Cage, Miss Marvel, Scott Lang, etc.
Esta série era um xodó do escritor, onde ele se soltava mais. Como Chris Claremont, antigo escritor dos X-Men, Bendis adora longos diálogos e recordatórios imensos (embora, ao contrário do Chris dos anos 90 pra cá, ele os elabore muito melhor). Mas isto não impede que, no fim de cada edição, o leitor fique com a impressão de que as coisas acontecem muito devagar ou simplesmente não acontecem. Já o artista Michael Gaydos tem um traço marcante, que encaixa bem na ideia e faz ser difícil imaginar outro artista ilustrando a investigadora (e olha que, posteriormente, muita gente desenhou a Jessica Jones, mas sem deixar nenhuma marca). Há algumas edições em que os autores até brincam com a estrutura tradicional das hqs, ilustrando de forma fora do padrão ou mesmo inserindo o texto de forma diferente, ignorando os balões e as "caixinhas".
Em 2010, a Panini lançou um encadernado de luxo com as dez primeiras edições de Alias, a um preço exorbitante. Mas em 2018 fez melhor e lançou tudo que saiu em Marvel Max em três encadernados de capa dura: Alias, Volte pra Casa e A Vida Secreta de Jessica Jones, todos ainda fáceis de ser encontrados em sebos especializados.
CAGE 😏
Roteiro de Brian Azarello. Arte de Richard Corben
Marvel Max 1 - 5
Luke Cage é contratado pela mãe de uma vítima para determinar o responsável pela morte da sua filha, ocorrido durante um tiroteio entre gangues rivais ocorridas no Harlem. Cage conduz sua investigação, dando um jeito de manipular a situação e colocar gangue contra gangue.
A mini serviu para redefinir visualmente o personagem e retirar um pouco da aura de super-herói que parece casar tão mal com a alcunha "de aluguel". Azzarello, o senhor 100 Balas, entrega um texto enxuto, com bom desenvolvimento e dentro do padrão elevado que já havia mostrado em outros trabalhos (embora ache o final frustrante). Richard Corben traz sua arte inconfundível e é essencial para alcançar o equilíbrio entre o Luke manipulador e aquele que precisa às vezes "colocar a mão na massa". Mesmo assim, não é o melhor trabalho da dupla, ficando aquém de Banner e do arco Hard Times (aqui, Inferno na Prisão) da revista Hellblazer.
APOCALIPSE INFERNAL 😖
Roteiro de Doug Moench. Arte de Paul Gulacy com Jimmy Palmiotti
Marvel Max 4 - 9
Shang Shi sai da sua aposentadoria quando descobre que sua amada, Leiko Wu, desapareceu durante uma missão.
PODER SUPREMO 😄
Roteiro de J. Michael Straczynski. Arte de Gary Frank com Jonathan Sibal.
Marvel Max 6 - 17 e 23 - 28
Os criadores reimaginam a origem dos personagens que iriam compor o Esquadrão Supremo, uma versão marvete, criada por Roy Thomas e John Buscema, da Liga da Justiça, da DC. A chegada de uma criança do espaço não passa despercebida das autoridades norte-americanas, que a educam para ser a principal arma do seu incrível arsenal. Mark Mílton cresce isolado dentro de uma base militar, se tornando não um escoteiro, mas um soldado com uma visão unilateral do mundo, sempre pendendo para o que é aceitável para o governo dos Estados Unidos. Enquanto outros personagens - Doutor Espectro, Falcão Noturno, Borrão, Zarda e Anfíbia - são apresentados, surgem indícios de que há muito mais por trás do que trouxe (ideal e materialmente) Hipérion para esta terra.
Provavelmente, é o melhor trabalho do Straczynski na editora (poderia ter sido o que ele fez em Homem-Aranha, mas o problema foi justamente o que ele fez com o Homem-Aranha). Ele não cai na armadilha fácil de, por ser um título da Marvel, ficar fazendo galhofa com a equipe da concorrência (que, curiosamente, teve grande influência na origem do Universo Marvel). Gary Frank - mesmo com alguns problemas no tocante a expressões faciais - tem um traço elegante, bom de ver. A arte-final de Sibal é muito boa e ajuda bastante no impacto das cenas de violência (que são beeeem extremas).
Em 2018, a Panini lançou as 18 edições de Poder Supremo em um encadernado de capa dura, ainda em catálogo.
JUSTICEIRO - NASCIDO PARA MATAR 😆
Roteiro de Garth Ennis. Arte de Darick Robertson com Tom Palmer.
Marvel Max 10 - 13
Esta história depois teria uma importância maior dentro da cronologia "adulta" que Ennis estava criando para o Frank Castle. Mas, ainda que não saibamos disso, tem um grande valor ao lançar uma luz sobre a verdadeira origem psicológica do Justiceiro. Afinal, o assassinato brutal e sem sentido de sua família (Netflix, vai tomar crush com aquela escrotidão de que a esposa e os filhos do Castle morreram num atentado contra o mesmo! É tão idiota quanto tentar transformar o assassinato dos Wayne não num crime comum, mas em algo que misturava política e crime organizado - e SIM, estou dizendo que o roteiro de The Batman deixou MUITO a desejar) criou o implacável vigilante, ou o mesmo sempre esteve lá e o crime serviu apenas como uma desculpa para que o mesmo se libertasse de vez?
Darick Robertson arregaçou na arte, um excelente prelúdio para as coisas que a dupla faria depois em The Boys. Narrativa perfeita e excelente representação de ambientes e equipamentos utilizados (também, vai errar tendo um cara fissurado em história das guerras como o Ennis escrevendo...). As cenas de batalha no fim da história estão no nível de filmes como Platoon (idem, 1986), Hamburger Hill (idem, 1987) e Comando de Heróis (The Siege os Firebase Gloria, 1989).
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"Me passa a '60!" |
Esta história saiu por aqui no primeiro volume dos encadernados de luxo da Panini, chamado No Princípio, ainda em catálogo.
THOR - VIKINGS
Roteiro de Garth Ennis. Arte de Glenn Fabry.
Marvel Max 14 - 18.
Um grupo de guerreiros vikings se lança ao mar depois de chacinar uma vila pesqueira. Uma falha tentativa de amaldiçoá-los por parte do ancião da vila faz com que fiquem à deriva por mil anos no mar. Ao fim deste tempo, eles aportam em Nova Iorque e começam um dos maiores banhos de sangue já mostrados em uma história em quadrinhos, de qualquer gênero. Nem mesmo o Poderoso Thor parece ser páreo para o infame grupo e seu líder, o horrendo Harald Jaekelsson.
Garth Ennis volta, sem freios. Livre da continuidade, ele tece uma história de terror usando alguns personagens da Marvel, desaconselhável para quem tem estômago sensível. De negativo, apenas a personalidade que ele dá ao Doutor Estranho, por demais pragmático e sarcástico em alguns momentos. Glenn Fabry - capista de Hellblazer e Preacher - salta para o miolo de uma revista e mostra seu traço bonito e sanguinolento, embora pareça que tanto tempo fazendo capas o tenham levado a cometer alguns erros de continuidade, mas nada que fira os olhos do leitor.
Em 2017, a Panini lançou a versão "encadernada", de capa dura. Não é tão difícil de ser encontrada em lojas virtuais, embora demande um maior e$forço hoje para adquirir do que na época.